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Evocações DESVENTURAS DE UM VELEJADOR
o Pilão praticavam-se desagradável. Como se estava a fa- montante do rio até que, a certa al-
quase todos os despor- zer tarde tinha que regressar à Es- tura, comecei a visionar uma em-
tos. Por isso, quando fui cola e, portanto, virar de bordo e barcação cinzenta a descer o rio,
para a Escola Naval não subir o rio. Habitualmente, quan- que me parecia um rebocador da
Ntive qualquer dificulda- do queria virar de bordo tinha por marinha. Quando estava mais per-
de em me adaptar ao regime de hábito atirar a cana do leme, para to, confirmei que era mesmo e que
educação física que ali se pratica- depois poder utilizar as duas se dirigia para mim. Dei graças a
va. Só enfrentei um desporto para mãos, Como habitualmente assim Deus, pois estava salvo. Quando
mim totalmente desconhecido, na fiz. Mas fiquei estupefacto ao ver a estava próximo ouvi a voz dum ca-
prática: velejar! cana do leme mergulhar nas águas dete meu amigo a gritar: aguenta
Apliquei-me nas aulas teóricas do Tejo (não estava conveniente- Lola! Com o rebocador quase a to-
e praticas e rapidamente fiquei a mente presa) e bastante assustado car-me, lançaram-me um cabo
saber o necessário para não ter porque deixava de poder utilizar o para eu amarrar num local seguro
qualquer difi- leme para manobrar a embarca- do Vouga. Foi outra provação para
culdade em diri- ção. Tentei com ambas as mãos fa- mim, pois tinha que mergulhar li-
gir os barcos zer força na “cachola” do leme para geiramente para o encontrar, e
existentes no o virar, mas não estava a conse- sempre que o fazia, os brandais
Clube Náutico. guir. Tanta força fiz e a ansiedade batiam-me no corpo e magoavam-
Os que mais uti- era tanta que sem sentir a dor abri me bastante. Foi uma espécie de
lizávamos eram feridas nas palmas das mãos. Fui um suplício! Quando a embarca-
os “Vougas”, forçado a desistir. Libertei as esco- ção estava bem amarrada, subi
barcos em ma- tas e fiquei com o pano de ambas para o rebocador, despi a camisola
H. Lola dos Reis deira e algo pe- as velas a bater. Mas a corrente le- encharcada e deram-me um aga-
(19410159) sados, resisten- vava-me para a barra, onde as on- salho para eu vestir. Foi um alívio!
tes, mas que não das iam aumentando de altura e o Tive de contar logo ao meu amigo
bolinavam bem. vento era cada vez mais forte. o que se tinha passado. Ele perce-
Tornei-me um apaixonado pela Estava francamente
vela. Sempre que os tempos livres preocupado, ou melhor,
o permitiam, normalmente entre a muito assustado.
última aula e a hora do jantar, ar- Fixei a vela grande e
ranjava um companheiro e lá ía- novamente, com as mãos
mos para o Tejo, que, diga-se, não a doerem, tentei mano-
facilitava muito os principiantes brar o leme como já ti-
devido às fortes correntes e, quan- nha feito, mas nada con-
do havia vento, que levantava uma segui. E, subitamente,
forte “mareta”, era preciso ter mui- uma onda mais alta e
to cuidado um golpe de vento mais
Uma tarde, já em Novembro forte fizeram virar o
equipei-me, vesti a camisola bran- Vouga. Fiquei dentro de
ca de gola alta que todos os alunos água que estava gelada.
tinham obrigação de possuir, pro- Tentei subir para o cas-
curei um colega para ir comigo, co da embarcação mas,
mas como já estava um pouco fres- como era redondo, es-
co àquela hora todos se recusa- corregava e não fui ca-
ram. paz. E a corrente conti-
Então decidi ir sozinho, o que já nuava a arrastar-me
não era a primeira vez que o fazia. para a barra.
Manobrava eu a vela grande e a de Só pedia a todos os santinhos beu imediatamente que eu não ti-
proa que, normalmente, ia fixa e que na Escola dessem pela minha nha culpa alguma. Não podia ter
quando era necessário passa-la falta, pois aproximava-se a hora feito melhor. Quando chegamos à
para o outro bordo, fazia-o depois do jantar e seria estranho eu não Escola Naval todos quiseram sa-
de ter manobrado a vela grande, aparecer e mandassem alguma ber o que me tinha acontecido e
cuja escota da respectiva retranca embarcação recolher-me. tive de o contar várias vezes. Claro
ia sempre bem segura na minha O tempo passava e já começava que ouvi algumas bocas, entre
mão. Com a outra manobrava o a sentir um pouco de hipotermia e elas: “Tens a mania que és bom…”
leme. Não era difícil. Mas nesse o coração a bater mais acelerado.
tarde tive um percalço, bastante Olhava permanentemente para
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