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CrÓniCaS
 A HISTóRIA DE UM POVO É tAmBÉm A HistÓriA Dos sEus BAnDiDos
Jacinto rego de Almeida
19520049
 na manhã do dia 22 de Julho de 2015, Anders Behring Breivik saiu de casa da sua mãe na zona oeste de oslo, vestiu um uniforme de polícia, estacionou o carro na zona de edifícios governamentais da cidade, o re- gjeringskvartalet, acendeu o pavio de uma bomba que ele construíra durante a primavera, atirou-a para a rua e partiu em velocidade moderada. Poucos dias antes, ele visitara a ex-madrasta a quem dissera que em breve “faria uma coisa que deixaria o pai cheio de orgulho”. Enquanto as imagens do atentado que vitimou oito pessoas eram transmitidas pela televisão, Anders dirigiu-se para utoia onde a juventu- de do Partido trabalhista fazia o seu acampamento anual. nessa pequena ilha num lugar bucólico, ele disparou indis- criminadamente durante mais de uma hora sobre as pesso- as matando sessenta e nove participantes do encontro. capturado, o criminoso justificou as suas ações: motivações políticas contra os muçulmanos, o multiculturalismo, a dis- solução de valores tradicionais e a frágil intervenção do Estado. Ele queria “salvar a noruega”. segundo psiquiatras que o observaram, a motivação destes atos criminosos foi: Anders queria ser visto, “nenhuma outra”. (ser visto, ou co- nhecido, penso, caim matou o seu irmão Abel, por ciúme face à preferência de Deus e esse crime tornou-o famoso desde o início da História da humanidade). Tendo em consi- deração a extraordinária divulgação do atentado pela im- prensa de todo o mundo, o crime de Anders compensou. Pelo seu horror, os crimes de Anders fazem parte da história contemporânea da noruega.
A História de um povo também é a história de seus ban- didos. Em Portugal as estrelas históricas da criminalidade são José Teixeira da Silva (1818-1875) conhecido como Zé do telhado, Alves dos reis e mais recentemente outros que se advinham nas operações em curso pela Polícia Judiciária. Histórias e bandidos... o defensor dos oprimidos contra a injustiça dos poderosos como robin Hood um “ladrão no- bre”, o siciliano morto após a ii Guerra mundial salvatore Giuliano, Al Capone, Baby Face Nelson e muitos outros nor- te-americanos imortalizados pela literatura e o cinema, os bandidos das máfias italianas também mundialmente co- nhecidos, os chefes das poderosas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, mulheres ou armas, o bandido social, o vingador, o político... os crimes de guerra em ru- anda, serra leoa, Balcãs, Afeganistão, camboja, na líbia por Muammar Kadafi, todos encaminhados pelo Conselho de segurança da onu ao tribunal Penal internacional são ob- jeto de estudos académicos e ensaios por esse mundo fora. os criminosos brasileiros e as suas organizações ligadas à política estão na agenda das notícias, há algumas semanas
um juiz do superior tribunal de Justiça do Brasil em entre- vista à BBc afirmou estar convencido de que não existe nas prisões brasileiras nenhum condenado com crimes de rele- vância maior que os praticados pelo senador Aécio neves, antigo presidente do PsDB, ex-governador do Estado de minas Gerais e candidato derrotado por Dilma rousseff nas últimas eleições presidenciais. Mas o caso de Virgulino Fer- reira, forjado na sociedade rural do nordeste do Brasil, co- nhecido como “Lampião, o rei do cangaço”, morto em 1938, considerado pelo The New York Times o mais importante bandido do mundo ocidental nos tempos modernos, reves- te-se de particularidades que foram objeto de mais de duas dezenas de livros, biografias e personagem de importantes filmes. Ele foi um “bandido nacional” tipo vingador na ace- ção de E. J. Hobsbawm autor do clássico “Bandidos”. Há um sistema de trocas entre legalidade e crime, com frequência damo-nos conta da expulsão de criminosos dos quadros da polícia e militares (Zé do Telhado foi militar) e revolução por vezes se encontra com criminalidade. Foi o caso de lam- pião. Em 1926 a Coluna Prestes, do líder do Parido Comunis- ta Brasileiro, luiz carlos Prestes, enfrentava com sucesso as autoridades militares e civis de alguns Estados. Então o go- verno federal pediu o auxílio de Padrinho cícero, messias do Estado do ceará, com atividade política e bem relaciona- do com lampião no sentido deste bandido dar combate à coluna, recebendo em troca armamento e uma patente de oficial. lampião pensou em mudar de lado, mas desistiu aconselhado por um amigo influente. se tivesse aceitado talvez a história do comunismo e da esquerda brasileira fos- se muito diferente. Adiante.
Há alguns meses, atendendo a sugestão da Associação Portuguesa de Escritores fui à prisão de Viseu para conver- sar com presos sobre os meus livros. Almocei num restau- rante dos arredores da cidade com o diretor da prisão, a sua filha, e um funcionário do presídio, visitei a “quinta”, uma das mais antigas instalações prisionais da Europa ainda em atividade com uma arquitetura imponente dos anos trinta do século passado (a necessitar de urgente restauração), rodeada de muitos hectares de área florestal e agrícola. Foi construída por presos à semelhança do Estádio nacional de monsanto. os presos da “quinta” estão há tanto tempo no estabelecimento prisional que dispõe de uma excelente bi- blioteca, com nenhum ou pouco contato com as suas famí- lias e tão bem adaptados aos seus trabalhos agrícolas que os carcereiros são apenas simbólicos “eles não fogem até porque não têm para onde ir”. E estive com os detentos no
(continuação na página anterior)
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Janeiro-Março 2018 | 13

























































































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