Page 8 - Boletim Nº 254 da APE
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 Cultura e ConheCimento
A grave
dvo cão solitário...
   incongruência
                         árias são as pontes entre a espécie humana e os cães. Pontes que nos unem e que deveriam ajudar-nos a compreender muito facilmente determinados aspetos
da biologia e etologia destes que nos aturam há tanto tempo. Não existe ninguém que com o mínimo de conhecimen- to sobre cães não saiba que estes são gregários, quer isto dizer que a sua biologia define que apenas se sentem segu- ros em companhia, cooperação e comunicação com outros da sua espécie. Seguros para se alimentarem, repousarem e
dormirem, por exemplo.
Porque insistimos tanto em contrariar algo de tão funda-
mental e absoluto? Por falta de empatia e sensibilidade. Acreditamos que somos suficientes. Acreditamos, por- que é assim que fazem e defendem a maioria dos tutores de cães e então, fazemos como eles, sem questionarmos o ób- vio. Muitas vezes pergunto quantas horas por dia um deter- minado cão está acompanhado e prontamente o seu huma- no responsável avalia e responde contando as horas que está em casa. um ser humano que viva toda a vida acompa-
nhado por apenas 8 cães, vive solidão?
vive, portanto, também o cão que vive com uma, duas ou
seis pessoas. O comportamento social de um cão não é um “luxo”, é talvez o que mais o define. Muitas vezes me pergun- tam se os seus cães são felizes e a resposta mais certa é a que se vivem sem companhia da mesma espécie, como poderiam ser absolutamente felizes?! Seja lá o que isso for para nós, para eles é mais simples, para eles felicidade é satisfação. O egoísmo humano faz-nos acreditar que somos suficientes, queremos e precisamos de ser suficientes. Não somos.
A vida é mais biologia que matemática e nem sempre uma vida mais outra vida são duas vidas, por vezes são me- nos um problema. O maior problema. Acredito que hoje a segunda principal causa de problemas de bem-estar, com- portamento e saúde nos cães são derivados do medo e stress resultante de estarem sozinhos. Nenhum cão nasce incapaz de ter um comportamento social adequado, acon- tece exatamente o oposto. Eles nascem bem e nós destruí- mos o que nasce com eles, colocando em causa a sua neces- sidade mais primária: gregariedade. Exatamente como connosco, é através das suas relações que os cães se desen- volvem fisicamente, intelectualmente e emocionalmente. Como qualquer indivíduo um cão precisa de construir rela- ções, gerir conflitos e definir estratégias sociais para incre- mentar os seus níveis de autoestima e confiança. O compor- tamento social de um cão é muito mais que brincar no parque, ele precisa de referências semelhantes que o aju- dem a sentir-se seguro de forma a comportar-se da forma natural à sua espécie.
Foto de Elsa Martins Magro
          Ricardo Oliveira*
     É impossível garantirmos que um cão sozinho viva feliz, satisfeito e com o justo bem-estar, mas também não pode- mos dizer que não sejam capazes de lidar com a solidão, porque são de facto, desde que estejamos conscientes dos danos colaterais. Nenhum animal gregário seja ele humano ou não humano poderá alguma vez ser feliz sozinho. Avaliar- mos é fácil, basta trocarmos de lugar com eles e perceber- mos como seria se vivêssemos 23h por dia apenas com cães e tivéssemos apenas 1h por dia para desenvolvermos rela- ções humanas bem-sucedidas e benéficas ao nosso desen- volvimento e bem-estar.
Está certo que muitos achamos que não podemos ter dois cães, porque tudo será a dobrar, acreditem ou não, mas se procurarem saber a experiência de quem tem mais que um cão, vão perceber que no fim de contas talvez seja mais fácil e saia mais barato, se somarmos os danos, conflitos e problemas de saúde de um cão em stress crónico por não se ter desenvolvido devidamente ao viver em exclusão. Não há nada mais maravilhoso do que observar e aprender a inten- sidade com que os cães criam laços, se acalmam e procuram paz e harmonia permanentemente. E os cães que não são capazes de se relacionar com outros cães sem conflito? Re- abilitar as competências sociais desses cães deveria ser a prioridade máxima, porque existe sempre um ponto de par- tida e uma meta a alcançar, seja ela a que mais desejaría- mos ou apenas aquela que o animal consegue em determi- nado momento e em determinadas circunstâncias.
Portanto, se tens um cão, que tal pensares em ter dois? Se não tens nenhum e queres ter, respeita o indivíduo que queres amar durante toda a sua vida e não o deixes sozinho.
Não compres. Não vendas. Adota!
(*) Consultor em comportamento e bem-estar animal. Curso de Cinotecnia pela universidade Lusófona. Diversos Cursos, seminários e workshops; sobre bem- -estar, agressividade, medo e nutrição animal. Presidente da AMORE, associa- ção que tem como fim, respeitar, cuidar e proteger todas as espécies de ani- mais domésticos que se encontrem em risco de vida, sejam vítimas de maus tratos ou abandono, garantindo a sua segurança, bem-estar, saúde e reabilita- ção holística, com o fim de adoção ou permanência em regime de santuário.
    6 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro














































































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