Page 17 - Anexo do Boletim numero 254 da APE
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   As horas que curvada, em noite escura,
Passadas, de joelhos, numa jura...
Horas mortas... curvada aos pés do monte.
- Poeta, tomaste o início dum soneto que dedico ao meu Alentejo...
- ... ao nosso...
- ... pois, seja... ao nosso.
- O que é bem raro na tua escrita. Segundo os teus biógrafos, a tua poesia está totalmente impregnada duma tristeza interior, talvez reflexo duma infância conturbada, e que te leva a empregar a palavra “morte” em grande número dos teus sonetos.
- Não tanto como julgas... mas mudemos de tema e... para te provar que o Alentejo nunca deixou de estar no meu pensamento...
Horas mortas... curvada aos pés do monte A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte.
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder pelas estradas, Esfíngicas, recortam, desgrenhadas,
Os trágicos perfis no horizonte.
Árvores! Corações, almas que choram, Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão, remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vede
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
- Como, habitualmente, é triste o teu soneto. Nele se espalha a melancolia dum entardecer alentejano. Tem porém, o condão de, na verdade, referires um Alentejo a que ambos pertencemos.
- Isto é apenas para te confirmar o que dizia. O amor tanto se pode sentir por quem se almeja, como pela terra onde se nasceu, como pela árvore que se destaca na charneca.
- E não só a árvore, minha amiga, toda a planície... Pedindo a Deus a minha gota de água,
Também dizia meu sobreiro amigo
Quando, sedento, falava comigo,
E nem pinga corria duma frágua. Meu Alentejo seco, a minha mágoa
PALAVRAS SOLTAS
É não saber se é norma, ou se é castigo Andar sempre à procura dum abrigo Numa busca constante, eterna e árdua. Alentejo, apesar dessa secura,
Que queima esses trigais onde perdura A languidez e a calma tão plangente, Amar-te, até mais não, tudo mereces Quando o calor aperta e tu aqueces. Meio-dia. O sol a prumo cai ardente.
- Eu poderia responder-te, mas o tempo... não me permite... vou seguir para outra galáxia. Tenho um outro compromisso que ali me aguarda.
- Espera... espera... só um pouco mais, que o que temos para contar, não se compadece com o avanço dos ponteiros do relógio... não se esgota num simples encontro casual...
- ... só um pouco mais, mas recordar-te-ás que... Meio-dia. O sol a prumo cai ardente,
Dourando tudo... ondeiam nos trigais
D’ouro fulvo, de leve... docemente...
As papoulas sangrentas, sensuais... Andam asas no ar, e raparigas
Flores desabrochadas em canteiros, Mostram por entre o ouro das espigas Os perfis delicados e trigueiros...
Tudo é tranquilo, e casto, e sonhador... Olhando esta paisagem que é uma tela De Deus, eu penso então: onde há pintor, Onde há artista de saber fecundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste mundo?
- É lindo, Florbela. Dá-me a tua mão antes de seguires...
- Amigo, não é uma despedida. Se continuares a sonhar, mais tarde nos encontraremos...
- ... mas, antes, Florbela, escuta apenas esta lembrança que te deixo, com muito carinho.
Mais delicada e linda neste mundo?
A terra onde nascemos, tão formosa, Que tem por seu nome Vila Viçosa
De igreja ao alto e com castelo, ao fundo.
16 | Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro
























































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