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CuLTuRA E CONhECImENTO
Marchar a Direito!
A deriva da grande empresa europeia!
ANTóNIO P. PEREIRA
19760487
grande empresa europeia tem sido construída, já lá 2. Foi alterado o equilíbrio inicial conferido aos Esta-
A vão mais de seis pródigas décadas, com base numa dos-Membros?
malha fina de equilíbrios, delicados contrapesos e avan-
ços curtos, mas sólidos, no complexo processo de inte- 2. As últimas revisões dos Tratados, sendo muito mar-
gração. A fragilidade desta organização supranacional cante o Tratado de Lisboa neste particular aspeto, impri-
talvez consubstancie a receita do seu sucesso assente na miram assinaláveis diferenças no equilíbrio do sistema
delicadeza de trato dado aos seus sujeitos: os Estados- inicialmente estabelecido com o surgimento das antigas
-Membros e os cidadãos da União. Os tempos moder- Comunidades Europeias.
nos têm, contudo, posto em crise – ainda está por se
saber com que preço – este ancestral jogo de forças. São
várias as formas deste espelho de contrastes e de dese- 3. E isso é visível ao nível das principais Instituições
quilíbrios que colocam em deriva esta grande embarca- com vocação política?
ção. Em nome de uma relativizável eficácia, temos assis-
tido à paulatina desmontagem do sistema democrático 3. É visível a alteração do sistema original, desde logo,
inicial, de igual equilíbrio entre os Estados-Membros. Os pela diferença de regime atribuída à formação da presi-
tempos mais próximos irão certamente ditar em que dência da principal Instituição intergovernamental.
direção vão soprar os ventos no mais antigo continente No quadro original, de alternância semestral de pre-
do Mundo. sidências entre Estados-Membros, do Conselho e, por
inerência, do Conselho Europeu, os Estados-Membros
colaboravam ativamente através de um sistema de tróika,
1. Os Estados-Membros sempre tiveram igual repre- construída com um carácter puramente informal, na
sentação no que diz respeito ao poder decisório no medida em que havia uma intervenção conjunta de três
quadro da União? Estados-Membros por referência a três presidências: a
anterior, atual e a seguinte. Ao mesmo tempo, para deno-
1. Os antigos Tratados comunitários souberam man- tar a complementaridade pretendida, a rotação ocorria
ter os Estados-Membros em situação de quase perfeito num alinhamento que implicava a sucessão entre Estados
equilíbrio – analisadas as Instituições pode afirmar-se grandes, intermédios e de menor dimensão, por um lado,
que tradicionalmente havia uma equivalência justa no e entre Estados mais antigos e mais recentes, por outro
que diz respeito ao seu número: os membros do Conselho lado. Na conceção inicialmente descrita nos Tratados,
Europeu, do Conselho e da Comissão (para referir os estas Instituições exigiam, em cada ano, a intervenção de
principais órgãos decisores) correspondiam aos interesses dois Estados-Membros: uma presidência por semestre (a
em equilíbrio. Cada um dos Estados-Membros encontra- presidência do Conselho durava o semestre e, no final,
va-se igualmente representado ao nível do Conselho havia uma reunião ordinária do Conselho Europeu, que
Europeu e do Conselho, o que tinha ampla visibilidade era presidido pelo Estado-Membro que detinha a presi-
ao nível das presidências rotativas. Por sua vez, a Comis- dência do Conselho).
são integrava um nacional de cada Estado-Membro, o que 4. Entretanto, o Conselho Europeu passou a ter um
– embora não pudesse implicar a defesa dos interesses presidente – que já nem sequer é um Estado-Membro
nacionais, já que se trata de uma Instituição que tem por mas sim uma personalidade individual – nomeado pelos
missão garantir o interesse geral da União – permitia seus pares por maioria qualificada e por um período de
paridade nessa composição. Isto para não acrescentar dois anos e meio, renovável uma vez. O que quer dizer
outras Instituições, como o Tribunal de Justiça ou o Tri- que o mesmo presidente pode manter-se agora no cargo
bunal de Contas. por um período continuado de dez semestres; e, nada
impede que, após a presidência seguinte, volte a exercer
o mesmo cargo.
16 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército