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EVOCAÇÕEs











                                                                       O Frio


                                                                                                        JOSÉ LOPES
                                                                                                         19620124



                  esde pequeno, que me dou melhor com o calor do   Vários capotes pendurados nos cabides da parede, cujos
             Dque com o frio, ou seja, sou friorento.           donos  partiram  em  fim-de-semana  com  o  capote  de
                Como as camaratas não tinham aquecimento, duran-  saída, constituíam uma boa reserva estratégica e psico-
             te o Inverno era usual recorrer-se a todos os cobertores   lógica.
             do enxoval colegial, fechando portas e janelas.      Passado algum tempo, senti frio e pus mais um capo-
                Muitas vezes isso era suficiente, pois o calor libertado   te  na  cama.  Depois,  outro,  outro…  e  outro,  até  serem
             pelo  corpo  de  cada  um,  somava-se  generosamente  ao     nove. Se até então, não adormecia devido ao frio, passei
             dos  outros  e  ajudava  à  eficácia  dos  aconchegos  indivi-   a não adormecer devido ao peso!
             duais. Mas, nos dias mais difíceis, um outro elemento do   Após várias tentativas descobri uma mais adequada
             enxoval, o capote do dia-a-dia, oferecia uma contribui-   relação peso/calor, o sono venceu a custo o duelo com
             ção  adicional.  Colocado  por  cima  da  colcha,  além  de   o frio e consegui sobreviver à noite mais desoladora da
             ajudar a reter o calor na cama, também transmitia uma   minha vida.
             sensação  extra  de  peso,  muito  favorável  em  tempo  de
             frio.
                Quando  estava  integrado  na  3.ª  Companhia,  como
             já tinha razoáveis conhecimentos de Electricidade, fabri-
             quei um aquecedor eléctrico de água rudimentar. Para
             o efeito, preparei os componentes necessários: dois pe-
             quenos pedaços de um varão de ferro usado em arma-
             duras para betão armado, dois fios condutores de cobre
             revestidos de plástico, uma ficha eléctrica simples para
             tomada  de  corrente  e  um  grande  balde  de  plástico.
             Uma das extremidades de cada um dos pedaços de ferro
             foi soldada à ponta de um fio de cobre e cada um des-
             tes foi soldado pela outra ponta a um dos terminais da
             ficha.
                Antes de me deitar, enchia o balde com água, ligava
             a ficha numa tomada eléctrica e introduzia os dois pe-
             daços de ferro dentro da água. Consoante o afastamento
             destes,  assim  a  água  aquecia  mais  ou  menos  depressa.
             Quando a temperatura da água atingia um valor elevado,
             mas ainda suportável, retirava os ferros do balde, punha
             os pés e as pernas até aos joelhos dentro dele e, durante
             cerca de meia hora, consolava-me a aquecer o corpo por
             via da circulação sanguínea. Depois, ia deitar-me, bem
             quente.
                Num  Inverno  rigoroso  dessa  época,  fiquei  num
             gélido sábado no Instituto, por motivo que já não recor-
             do.  A  camarata  era  relativamente  pequena  e,  por  ser
             o único inquilino daquela noite, estava sozinho ao dei-
             tar.  Como  habitualmente,  tinha-me  prevenido  com  o
             necessário  pré-aquecimento  e  com  o  capote  na  cama.


                                                                               Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  7
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