Page 12 - Boletim Nº 254 da APE
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 CARAS DO PILÃO
         Elsa Martins Magro
19871013
com uma senhora, a partir dai o seu casamento estava vati- cinado ao fracasso e divorciaram-se. O seu divórcio deixou-a sem nada, sem trabalho, dinheiro, carro e com dois filhos nos braços.
     Andar apressado e afoito é assim que encontramos a D. Deolinda no seu local de trabalho, a cozinha do IPE. Foi tirar a jaleca, o avental e touca, que se quer apresentar bonita à Sra. Engenheira (Ana Oliveira) e à Sra. Doutora (Eu). Ainda no início da entrevista disse-lhe que o meu nome era Elsa, que me tratasse assim, na frase seguin- te ouvi “Elsa”, depois disso, voltamos ao Doutora e à Sra. Engenheira, “não é por mal” diz ela, mas não o consegue fazer de outra forma. Mal sabia a D. Deolinda que lhe iria- mos pedir que voltasse a vestir a sua jaleca, avental e touca, para lhe tirarmos umas fotos, porque é assim que a identifi- camos e que gostamos dela.
Enquanto se preparava e fardava, fomos brindadas por um momento afetuoso por parte dos seus meninos, os seus dois ajudantes, dois cabos muito jovens com cursos de cozi- nha tirados no IEFP, que a iam ajudando a
vestir-se, a dar o laço no seu
avental e até a colocar a touca
num cabelo já ralo como nos
dizia, enquanto ela ia dizendo
“ Obrigado filho, já está bom
assim”. E os seus meninos, ali-
savam-lhe as rugas da jaleca en-
quanto lhe diziam, que não era
altura para choraminguices, que
isso seria para mais tarde.
Tenho a certeza que estava
estampado na minha cara um ar
embevecido, e que sorria (mui-
to), enquanto via a cena a desen-
rolar-se, perguntei-lhes em modo de brincadeira como era a D. Deolinda e um deles com um ar divertido perguntou-me se estava a ver quem era o Jorge Jesus, a D. Deolinda era assim...enquanto isso a D. Deolinda tecia elogios aos jovens, que eram como filhos, e que sim, era muito exigente com eles.
Sentámo-nos em três banquinhos no meio da cozinha, ali mesmo no meio das enormes panelas, onde a D. Deolin- da se sente em casa.
Conta-nos a D. Deolinda, nos seus bonitos 69 anos, que casou nova, depois de sete gravidezes que não conseguiu levar até ao fim, nasceu-lhe uma filha de uma gravidez de- sejada, mas também complicada, para além da filha, toma- va também conta de um enteado. quando casou deixou de trabalhar, vivia em Cascais em solteira, mas por causa dos negócios do marido no ramo mobiliário, tinham duas lojas na Póvoa de Santo Adrião e uma no Alto Alentejo em Fron- teira, mudou-se para Odivelas.
A vida corria-lhe bem, até que umas vizinhas lhe conta- ram que tinham visto o marido num programa de televisão
Procurou exaustivamente por trabalho. Conta-nos que só tem a quarta classe e por isso não aspirava a muito, mas na altura era magra, arranjava-se bem, até usava umas pin- turas, e quem a via achava que ela não era pessoa para os trabalhos a que se candidatava, mesmo que na altura aper-
   D. Deolinda...
                     cebendo-se disso nos dissesse que usava os trapinhos mais humildes que tinha.
Lá foi conseguindo alguns trabalhos, mas nada fixo, mas como a vida as vezes é madras- ta, o seu senhorio fez-lhe uma proposta para lhe vender a casa. Sem dinheiro, nem contrato de trabalho que lhe permitisse fazer
  10 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro
“nunca na vida dela pensou em trabalhar na cozinha, mas tinha que ganhar a vida, tinha dois filhos para sustentar e estava em risco de ser despejada”
“às vezes esquece-se que não está em casa... tal é o amor e dedicação que tem pelo IPE”




































































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