Page 13 - Boletim Nº 254 da APE
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 CARAS DO PILÃO
 um empréstimo no banco, surge-lhe então uma boia de sal- vação, a hipótese de ir trabalhar para o Instituto de Odive- las (IO), para a cozinha.
Conta-nos que nunca na vida dela pensou em trabalhar na cozinha, mas tinha de ganhar a vida, tinha dois filhos para sustentar e estava em risco de ser despejada. Foi apre- sentada à Diretora do IO, a Sra. D. Deolinda
Santos. Fala-nos de uma senhora distinta,
que subia e descia as escadas em bicos de
rer para vários locais, nomeadamente para o IPE para duas vagas: uma na logística e outra na cozinha. Foi mais uma vez pela mão da Diretora do IO, que conhecia bem aquela casa e dava-se muito bem com o Diretor do IPE da altura, que foi parar aos Pupilos.
O choque foi grande, quando entrou no IPE em 1990, como ajudante de cozinha! Tinha na altura 40 anos, saiu de um am- biente feminino, com regras, disciplina, rigor e as tais “mari- quices”, com que costumavam brincar com ela no IPE, para entrar num ambiente bem mais rude e dominado por homens. Ali não ensinavam, ela tinha pouca experiência, mas tinha que se desenras- car sozinha, diz que chorou muitas vezes, que queria ir- -se embora, mas foi ganhando amigos e pessoas que a acalmavam e incitavam a que ficasse. Os tem- pos passaram e chegaram a existir situações em que já faziam disputas para ficarem com ela nos seus turnos, conta-nos a
sorrir.
Também há outro fator que lhe causava angústia na sua
mudança, era mãe solteira, com dois filhos a seu cargo e enquanto estava no IO, estava perto dos filhos. quando se mudou para os Pupilos, saía de casa muito cedo, e quanto lhe custava acordar todos os dias a filha às 5h45m para fe- char a porta da rua, o seu coração de mãe não ficava des- cansado, sem que soubesse que os filhos estavam seguros. Foram tempos duros, há um episódio que se lembra muito bem – num dia de mais trabalho, em que apesar da sua apreensão por saber da sua filha sozinha, só conseguiu che- gar a casa à 1 da manhã, e deu com a sua pequena sentada num degrau das escadas à sua espera.
Diz que o amor e amizade pelo IPE foi crescendo com o passar do tempo, não foi uma coisa imediata, mas foi acon- tecendo e depois já não havia volta a dar, a não ser ficar.
quanto aos alunos, ou como lhes costuma chamar Srs. Alunos (mesmo os antigos alunos, continuam a ser Srs. Alu- nos), nunca teve qualquer pro-
blema com eles,
não foram poucas
as noites que depois
de saltarem os mu- ros para uma noita- da, apareciam de ma- drugada para um cha- zinho e umas torradi- nhas e, se já estava o pasteleiro, ainda ti- nham direito a um pas- tel de nata quentinho ou outro bolo qualquer. Também se lembra bem
       Fotos de Elsa Martins Magro
pés e que não sabe se era por terem os mesmo nome, da primeira vez que a Sra. D. Deolinda a viu, esboçou um sorri- so e a Sra. D. Deolinda não sorria muitas vezes, segundo constava. E assim ficou por lá, o ambiente era rígido, com regras e disciplina, nada de saias acima do joelho, mas foi ali que aprendeu quase tudo. Entrou para o instituto de Odive- las em 1987, fez lá três contratos de trabalho, apesar de não ter conseguido acabar o último. A D. Deolinda Santos estava preocupada com ela, também ela estava quase de saída do IO, e queria que ela ficasse bem. Começou então a concor-
  Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro | 11
“quando entrou no IPE em 1990, como ajudante de cozinha, tinha na altura 40 anos, saiu de um ambiente feminino, com regras, disciplina, rigor e as tais “mariquices”, com que costumavam brincar com ela no IPE”
“o amor e amizade pelo IPE foi crescendo com o passar do tempo, não foi uma coisa imediata, mas foi acontecendo e depois já não havia volta a dar, a não ser ficar”














































































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