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cRóNIcAs (cont.)





           legaram. Assim, à falta de comparação, aceitam como bons   o tomate anémico da senhora Merkel, em detrimento do
           os  minúsculos  tomates  cereja,  ou  os  pequenos  tomates   carnudo, pesado e histórico tomate português que já deu
           com tumor, sem se importarem de cuidar se satisfazem   cartas por esse mundo fora. Ora, quando a crise, dita in-
           os verdadeiros apreciadores, enquanto os genuínos, à falta   ternacional, obrigaria a que houvesse uma promoção in-
           de cuidados e de tratamentos, vão mirrando com o tempo.  tensiva dos produtos nacionais, feita a todos os níveis –
              Na  parte  externa,  o  caso  é  ainda  mais  preocupante,   veja-se o exemplo do computador Magalhães – os nossos
           para não dizer, confrangedor. Como se aceita tudo, de mão   dirigentes não mostram tomates por lugar algum, e aceitam,
           beijada, numa subserviência de dobrar a espinha em pro-  muito agradecidos, todos os tomates que lhes enfiam os
           longada vénia, não há tomates portugueses para contrapor   seus congéneres.
           às exigências europeias, à invasão chinesa, ou ao domínio   Não auguro pois, nada de bom, para um país abando-
           espanhol. E é, assim, que, por todo o lado, se vê proliferar   nado à sua sorte, por falta de tomates.




                      «Há entre mim e o mundo

                             uma névoa que impede


                    que eu veja as coisas como

               verdadeiramente são – como


                                      são para os outros»


                                                         Fernando Pessoa                          MARIANA TERRA
                                                                                                      DA MOTTA


               á dizia Fernando Pessoa, homem sábio, que a imagem   Do outro lado, contrastando, temos um universo de
            Jconstruída à luz dos nossos olhos, não corresponde ao   pessoas reduzido. Não admira, poucos são aqueles que
            real, àquilo que de facto é e existe. Uma névoa densa,   optam por atravessar a tão frágil ponte que abana com
            escura, equiparável ao muro de Berlim, separa tais rea-  uma ténue rajada. Para além de ser um acto de coragem
            lidades por si só tão distintas. E não há vento que a mova.   extrema, é uma opção que envolve, impreterivelmente,
            Nem o vento capaz de levar um veleiro a desafiar furio-  choque, sofrimento, dor e lágrimas. Ao passarmos para
            samente as leis do mar, ou a simples brisa que me traz   o outro lado, ao escolhermos encarar a realidade, estamos
            o teu perfume são capazes de atenuar tal névoa.   a deixar para trás algo que já tínhamos como adquirido,
               Atrevo-me a híper dimensionar a metáfora utilizada   um cenário que poderíamos adaptar a qualquer momen-
            pelo  génio  que  era  Fernando  Pessoa  e  assim,  arrisco   to  de  forma  a  nos  agradar.  A  passagem  representa  a
            comparar esta distinção entre a realidade real, perdoem-  aceitação  do  real  sem  contornos,  nu  e  cru,  dos  factos
            me o pleonasmo, e o cenário imaginário a um grande e   como eles são e das consequências que deles advêm sem
            profundo abismo de onde emana uma escuridão horri-  qualquer  hipótese  de  um  ajuste  favorável  à  nossa  si-
            pilante.                                          tuação.
               De  um  lado,  o  qual  apelido  de  zona  de  conforto,   Encontro-me do lado ilusório do abismo e por cá vou
            estou eu, o Pessoa e a grande maioria dos seres humanos   ficar  até  armazenar  a  coragem  e  a  força  necessárias
            deste  mundo  que  ainda  não  encontraram  a  coragem   para atravessar a ponte e, assim, enfrentar tamanho cho-
            necessária para percorrer as frágeis tábuas de madeira,   que.  Criei  um  mundo  imaginário  demasiado  extenso
            unidas por dois fios massacrados pelo tempo, a que cha-  para ser vivido em apenas 17 anos, porém tenho noção
            mo ponte. Refugiam-se, assim, no lado que já dominam   que o dia em que as minhas fantasias já não me sacia-
            e manipulam, fecham-se no seu porto seguro, evitando   rão  e  terei  necessidade  de  passar  para  o  outro  lado,
            a novidade, o desconhecido, a realidade. Vivem perante   para  o  real,  estará  perto  e  quando  fizer  essa  travessia
            uma ilusão viciante, gratificante até, que os afasta cada   espero que todos já estejam do outro lado, que tenham
            vez mais da ponte e os embrenha na aliciante floresta   feito a escolha certa (e que a ponte não se tenha desmo-
            que é o imaginário.                               ronado!).



                                                                              Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  9
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